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quarta-feira, 13 de abril de 2011

O GLOBO | O PAÍS
JUDICIÁRIO | TRIBUNAIS DE JUSTIÇA
Réu ganha quase 70% das ações de racismo
Estudo da UFRJ em TJs mostra, ainda, que 55% dos processos em 1a- instância foram julgados improcedentes

Alessandra Duarte

Em quase 70% das ações por crime de racismo ou injúria racial no país, quem ganha é o réu. O dado é parte de estudo inédito do Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser) da UFRJ, a 2aedição do Relatório das Desigualdades Raciais, que será lançada esta semana. Segundo o relatório, que analisou julgamentos em 2ainstância de ações por racismo e injúria racial nos Tribunais de 
Justiça de todos os estados entre 2007 e 2008, o réu venceu a ação em 66,9% dos casos, contra 29,7% com vitória da vítima (3,4% eram acórdãos que não eram decisões). Os dados mostram a situação do combate ao racismo no Brasil — tema que veio à tona semana passada após a polêmica com o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ). A punição ganhou força em 1989, com a chamada Lei Caó (de número 7.716), mas com obstáculos para sua aplicação mais de 20 anos depois.

Em relação a 2005 e 2006, quando o Laeser fez pesquisa similar, caiu o número de ações vencidas pela vítima: naquele período, 52,4% foram ganhos pelos réus; 39,3%, pelas vítimas. Outro dado é que, nos julgamentos sobre se a ação de 1ainstância era procedente, mais da metade das ações (55,4%) foi julgada improcedente — ou seja, também aqui, na maior parte dos casos, o juiz deu razão ao réu. O estudo viu ainda ações contra racismo nos Tribunais Regionais do Trabalho no país, entre 2005 e 2008: em quase 60% das ações julgadas em 2ainstância nos TRTs, o vencedor foi o réu.

— Pode-se pensar em duas hipóteses para explicar a maior vitória dos réus: é um crime com dificuldade de obtenção de provas; ou ver o racismo como crime é difícil, e aquela noção de que o país teria “democracia racial” influenciaria o juiz — diz o professor da UFRJ Marcelo Paixão, responsável pelo estudo. ■.

Volume de processos aumentou 76% 

De 89 a 2001, só seis condenações definitivas no país ● Um dado positivo apontado pelo relatório é que, independentemente do desfecho da ação, aumentou o total de processos movidos contra crime de racismo e injúria racial: em 2005 e 2006 eram 84 ações; em 2007 e 2008, foram 148 processos, aumento de 76,2%. O estudo também traz a distribuição por estado. O Rio Grande do Sul teve o maior número de ações, seguido de Minas Gerais e São Paulo.

No Ceará, em 2009, a operadora de telemarketing Adriana Ferreira de Brito conseguiu sair vitoriosa numa ação que moveu após sofrer discriminação. Em 2001, Adriana trabalhava no atendimento ao público na companhia de energia do estado; em maio daquele ano, o engenheiro agrônomo Emmanuel Holanda, buscando informações no órgão, irritou-se, e Adriana teve de ouvir frases como “tinha de ser uma negrinha mesmo”.

— Ele bateu na mesa e gritou essas coisas, me tratando como se eu fosse inferior — diz Adriana, que até hoje, porém, só recebeu de Holanda R$ 2 mil dos R$ 39 mil a que teve direito como indenização, porque, ao saber da decisão, o engenheiro, que chegou a tentar subornar uma testemunha, só teria deixado R$ 2 mil na conta bancária. — Agora estamos esperando a 
Justiça penhorar os bens dele, para eu poder receber o restante.

Uma pesquisa da FGV-SP em decisões do TJ do estado de 1998 a 2007 mostrou que, de 111 acórdãos sobre crime de racismo, em 38 deles o juiz mandou suspender o processo.

— Na maior parte das vezes, porque o juiz considerou que não havia crime de racismo, mas de injúria racial (criado pela lei 9.459/97). A injúria racial tem prazo menor de apresentação de dados à 
Justiça, o que fazia com que, quando o crime se tornava injúria racial, automaticamente a vítima já tivesse perdido o prazo — diz a professora da FGV-SP e pesquisadora do Cebrap Marta Machado, que elaborou o estudo. — Muito réu diz que o processo está mal qualificado, que não foi racismo, foi injúria racial, e aí consegue anular a ação.

A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República informou ter recebido 498 denúncias de 2004 a 2010; este ano, até agora, foram 98. No TJ do Rio, de 2008 a 2011, houve só uma ação com julgamento definitivo, em que não cabe mais recurso; mesmo assim, a discriminação, nesse caso, não foi contra negros, mas contra uma muçulmana. No Distrito Federal, segundo a Polícia Civil, de 355 ocorrências de injúria racial e racismo, apenas 53 deram origem a algum outro procedimento. —

Fizemos um estudo sobre decisões de 1989 até 2001. No período, no país todo, houve só seis condenações definitivas — diz Christiano Jorge Santos, promotor de 
Justiça em São Paulo e autor do livro “Crimes de preconceito e de discriminação”. — É uma pirâmide: poucas denúncias desse tipo viram inquéritos; destes, poucos viram ações; destas, poucas são julgadas. ■

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