O BRASIL PRECISA DE UMA COMISSÃO DA VERDADE,
MEMORIA E JUSTIÇA - Américo Gomes - ILAESE
A presidente Dilma Rousseff
anunciou nesta quinta-feira (10) os nomes das sete pessoas que vão integrar a
Comissão da Verdade, a cerimônia de posse dos novos integrantes será no próximo
dia 16, quarta feira.
Farão parte do grupo: José
Carlos Dias (ex-ministro da Justiça no governo Fernando Henrique), Gilson Dipp
(ministro do STJ e do TSE), Rosa Maria Cardoso da Cunha (amiga e ex-advogada de
Dilma), Cláudio Fonteles (ex-procurador-geral da República no governo Lula),
Maria Rita Kehl (psicanalista), José Paulo Cavalcanti Filho (advogado e
escritor), Paulo Sérgio Pinheiro (atual presidente da Comissão Internacional
Independente de Investigação da ONU para a Síria).
A formação desta Comissão da Verdade
é uma conquista da luta de muitos brasileiros que se mobilizaram pela punição
dos crimes cometidos durante a ditadura cívico-militar, mas é cercada de
limitações.
OS LIMITES DA COMISSÃO
A Comissão da Verdade vai
investigar e narrar violações aos direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988
(que abrange o período do Estado Novo até a publicação da Constituição
Federal). O grupo apontará, sem poder de punir, responsáveis por mortes,
torturas e desaparecimentos na ditadura. Ao final de dois anos a Comissão
deverá elaborar um relatório em que detalhará as circunstâncias das violações
investigadas.
Esta Comissão, fruto de acordos com
setores reacionários da sociedade nasceu com muitas limitações.
Para começar a indicação ocorre
quase seis meses após a lei que a cria ser sancionada pela presidente. Outro
atraso depois de 26 anos da derrubada do regime militar pelo povo
brasileiro, quando inclusive alguns crimes contra os direitos humanos já
prescreveram. Mais de 40 países constituíram suas Comissões da Verdade, a
maioria logo depois em que o Estado ou o governo discricionário foi colocado
abaixo.
Mas a sua maior debilidade é que
somente terá poderes para investigar os crimes cometidos, e não de aplicar
punições aos agentes do Estado que torturaram, prenderam ilegal e
arbitrariamente, seqüestraram e estupraram.
O Brasil precisa de uma Comissão da
Verdade, Memória e Justiça que além de identificar os agentes da repressão
policial, civil e militar, que com apoio de empresários e políticos golpistas,
participaram da repressão política, determine a responsabilização de cada um,
realize seu julgamento e de punições exemplares aos culpados.
Não somente dos que realizaram
diretamente os atos violentos, contra os que lutaram contra a ditadura, mas
também os que os apoiaram e financiaram.
Outras limitações se referem: ao
prazo de abrangência da investigação, demasiado amplo, de 1946 a 1988, que pode
tirar o foco das violações ocorridas durante o regime militar; o numero de
membros, 7, é pequeno; ainda mais para trabalhar no curto período de 2 anos.
Agregue-se a isso que a Comissão não
ter poder de impor a obrigação dos agentes do Estado testemunharem e estar
subordinada a Casa Civil, além de poder manter em sigilo os depoimentos; por
fim, seu relatório final não será encaminhado, necessariamente, ao Poder
Judiciário.
Um projeto muito mais limitado do que
o discutido no 11ª Conferencia Nacional de Direitos Humanos, realizada pela
própria Secretaria de Direitos Humanos, realizada com a participação de mortos
e desaparecidos durante a repressão ditatorial.
Mesmo assim as investigações da
Comissão da Verdade podem servir de base para a punição dos criminosos com as
mudanças a serem feitas na Lei da Anistia.
Mas para isso é necessário que organizações
de Direitos Humanos, sindicatos e entidades populares, se mobilizem para que
uma profunda investigação seja feita.
E defendam: a abertura dos
arquivos secretos, documentos sigilosos da Forças Armadas e do Itamaraty, e
inclusive dos documentos do Serviço de Inteligência; identificar todos os
funcionários envolvidos, dos vários escalões, desde policiais até embaixadores
e ministros e convocação dos torturadores para depor; .
É sua obrigação, também, passar a
limpo uma das mais tenebrosas articulações montadas no Cone Sul, pelos governos
ditatoriais, elaborada, sustentada e apoiada pelo imperialismo norte americano:
Operação Condor. Esclarecendo quais agentes do Estado brasileiro estiveram
envolvidos nas atividades de seqüestro, tortura e troca de prisioneiros entre
os órgãos de repressão destes regimes, durante os governos de Ernesto Geisel e
João Batista Figueiredo. Que adotaram inclusive a política de “disposição
final” para sentenciar a morte milhares de militantes de esquerda, considerados
“irrecuperáveis”.
Além disso a Comissão da Verdade
deverá se pronunciar oficialmente se o que houve no país foram atos terroristas
ou uma luta de resistência do setores do povo brasileiro contra um regime de
exceção.
Para ajudar nesta pressão
reivindicatória já foram criadas ou tramitam nos Legislativos estaduais 12
Comissões de Memória e Verdade. Em São Paulo a Comissão Estadual da Verdade
Rubens Paiva, formada a partir da iniciativa do Deputado do PT, Adriano Diogo,
pretende impulsionar um movimento popular neste sentido, além de esclarecer,
entre outras investigações, o modus operanti do centros de repressão e as
circunstancias que foram criadas as valas comuns de Perus e Vila Formosa.
ROMPER O LIMITE DA LEI DE
ANISTIA DE 1979.
Quando o Congresso Nacional aprovou,
em 1979, a Lei da Anistia, por apenas cinco votos, constituía na época um
avanço, pois os militares estavam enfraquecidos, mas ainda mantinham o controle
do país, e intimidavam os lutadores sociais.
A Deputada Luiza Erundina (PSB) é
autora do projeto que revê a interpretação da Lei da Anistia para punir os
criminosos que agiram na ditadura, mas o projeto esta emperrado no Congresso.
DERRUBAR A DECISÃO DO STF
Em 2008 o Supremo Tribunal
Federal tomou uma decisão de que a Lei da Anistia impediria julgamentos de atos
praticados durante o regime militar.
A decisão do STF além de incorreta é
ilegal, pois reverte o conceito de como devem ser julgados os crimes contra a
humanidade ocorridos em qualquer ditadura, particularmente quando envolve
crimes como ocultação de cadáver ou seqüestro. Um crime não cessa enquanto sua
materialidade não for provada.
Uma legislação não pode estar acima
da defesa dos cidadãos contra um Estado que tortura, seqüestra, estupra e
assassina. Não pode servir para protegerem criminosos ou encobertar crimes.
Por isso o Conselho Federal da OAB,
com petição subscrita pela jurista Fabio Konder Comparado, apresentou um
recurso que questiona a anistia de agentes do Estado acusados de crimes comuns.
Sustentando que, além de tudo, a tese do STF não esta de acordo com a normativa
internacional que entende que crimes contra a humanidade cometidos por
autoridades estatais não podem ser anistiados por leis nacionais.
O Brasil reconhece o conceito de
“crime contra a humanidade”, então deve aceitar a jurisprudência das instâncias
penais internacionais. A legislação nacional deve se subordinar aos acordos
internacionais jurídicos.
Tanto é assim que esta Comissão
Interamericana da OEA decidiu que o Estado brasileiro deve investigar a morte
do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida no DOI-Codi de São Paulo, em 1975.
E o Brasil foi condenado pela mesma
Corte, em dezembro de 2010, pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do
Araguaia. Este organismo determinou, entre outras coisas, que o Estado faça a
investigação pela e puna os responsáveis por detenções arbitrárias, torturas e
desaparecimentos de 70 pessoas, entre 1972 e 1975.
Com isso a Corte respalda o
entendimento que a Lei de Anistia não impede que se processe torturadores.
Por fim, o artigo 1º, parágrafo 2º da
Lei da Anistia afirma: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que
foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e
atentado pessoal”.
Os envolvidos em terrorismo de Estado
devem sim devem ser punidos. Senão de fato esta anistia somente valerá para um
lado. Pois os que lutaram contra a ditadura, cometeram atos contra o regime de
exceção, e em geral, já foram punidos.
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