Espaço Ubunto

Espaço Ubunto

domingo, 28 de fevereiro de 2010

COTAS DE RESISTÊNCIA

A experiência do Brasil na implementação das cotas raciais e sociais nos últimos 5 anos dão conta de mais de 70 universidades pública brasileiras, que, espontaneamente, acolheram mais de 50 mil cotistas.
Os 200 mil jovens brasileiros afro-brasileiros estão acessando o ensino superior, pelo PROUNI, em condições reais de acesso ao mercado profissional, que exige competência atualizada. O momento é histórico e sem precedente na história de nosso país.

É salutar e necessário que haja avaliações das iniciativas dessas universidades com respeito ao desempenho dos cotistas. A Universidade Federal da Bahia, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro e a Universidade de Brasília constataram um aproveitamento dos cotistas igual ou melhor que o de qualquer aluno. A porcentagem de desistência dos cotistas é extramente reduzida.. Nessa esteira, visivelmente a iniciativa cumpre em número o seu objetivo maior: a inclusão acelerada e plena dos perifericamente excluídos (negros, indígenas, alunos de escola pública) ao ensino superior. É o acesso à convivência saudável, elegante, em um espaço de educação e cultura, onde as opiniões formadas oportunizam uma profunda reflexão de ver o outro, enquanto cresce como indivíduo e profissional, e não somente competitivo, mas, essencialmente, solidário.

Atualmente, temos um grupo de resistentes que insistem na solução de continuidade, destruindo o que está dando certo. O porquê da resistência ? Um mecanismo que tem previsão para durar de 10 a 15 anos, com um terço de sua atuação e com sucesso. Que motivos políticos levam pessoas e instituições tanto intelectualmente, como economicamente já definidos, a posicionarem-se tão contrários a um avanço social e cultural ? Este avanço não é só de uma etnia, mas, sim, de uma sociedade miscigenada, misturada, agregada, onde, em um ato insano contrário, todos serão feridos na própria carne.

O período da ditadura militar não teve, em momento algum, um tema que ocupasse espaços tão generosos na mídia. Há 6 anos, a mídia, em uma perspectiva tendenciosa, desigual e infinitamente parcial, se relaciona com as cotas. Há um bombardeio dos órgãos de imprensa com poder de fala, dos intelectuais formadores de opinião, dos empresários com expressivo poder econômico e juristas de profundo saber jurídico. Acham-se detentores de uma trajetória cruel e intensa, injusta escravidão, que não respeita o humano, a dignidade, a vida e a liberdade, bem inalienável em uma sociedade democrática.

A falta do saber escraviza e enterra valores, aprisiona sonhos e distancia pessoas. E o mais cruel é que estas pessoas usam o anonimato para suas ações de retrocesso. Senão, vejamos: o racismo, por pesquisas de universidades sérias e conceituadas, é apresentado como um desserviço ao crescimento de um país. Dados alarmantes estão sob nossos olhares: dentre os 10% mais pobres, 68% são negros e pardos; apenas 5% dos negros de até 30 anos têm curso superior (entre os brancos, a taxa é de 18%); negros ocupados recebem R$ 578,24 ao mês, 53% a menos que brancos, cuja renda é de R$ 1.087,14; apenas 3,5% de negros estão em cargos de nível executivo nas maiores empresas brasileiras. As desigualdades raciais são profundas no Brasil.

O âmago da questão é o vício discursal de uma parcela menor da população encastelada nos privilégios que detêm, política e economicamente. O poder manipula, o conhecimento direciona pontos de vista, não tendo vergonha de carregar o cadáver do racismo, da discriminação e do preconceito em seu corpo. É crucial a reflexão de um olhar atento, respeitoso, cuidadoso à vultuosa, linda e maravilhosa diversidade, que é rica culturalmente em nosso país, a atitude de confronto às barbáries que gritam aos quatro ventos.

Portanto, o desejo não está muito longe do dia em que não precisaremos de cotas para um senso de justiça, pois os algozes desse estado democrático de direito serão derrotados pela justiça à fraternidade entre brancos e negros, cafuzos e mestiços, em um Brasil igualitário e socialmente justo !


JORGE FLORIANO
Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos
Ministério Público do Estado do Rio grande do Sul

Nenhum comentário: