10 anos de
governos pós-neoliberais no Brasil
Em
primeiro de janeiro de 2013, se cumprem 10 anos desde a posse do governo Lula,
que teve continuidade na sua reeleição em 2006 e na eleição da Dilma em 2010.
Dessa maneira se completa uma década de governos que buscam superar os modelos
centrados no mercado, no Estado mínimo nas relações externas prioritariamente
voltadas para os Estados Unidos e os países do centro do sistema.
São
governos que, para superar a pesada herança econômica, social e política recebida,
priorizam, ao contrário, um modelo de desenvolvimento intrinsecamente
articulado com políticas sociais redistributivas, colocando a ênfase nos
direitos sociais e não nos mecanismos de mercado. Buscam o resgate do Estado
como indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais de todos.
Colocam em prática políticas externas que dirigem seu centro para os processos
de integração regional e os intercâmbios Sul-Sul e não para Tratados de Livres
Comércio com os EUA.
Os
resultados são evidentes. O Brasil, marcado por ser o país mais desigual do
continente mais desigual do mundo, vive, pela primeira vez com a intensidade e
extensão atuais, profundos processos de combate à pobreza, à miséria e à
desigualdade, que já lograram transformar de maneira significativa a estrutura
social do país, promovendo formas maciças de ascensão econômica e social, com
acesso a direitos fundamentais, de dezenas de milhões de brasileiros.
Dotando o
Estado brasileiro de capacidade de ação, estamos podendo reagir aos efeitos
recessivos da mais forte crise econômica internacional das ultimas oito
décadas, mantendo – mesmo se diminuído – o crescimento da economia e
estendendo, mesmo em situações econômicas adversas, as políticas sociais
redistributivas.
Por outro
lado, políticas externas soberanas projetaram o Brasil como uma das lideranças
emergentes em um mundo em crise de hegemonia, com iniciativas coletivas e
solidárias, com propostas que apontam para um mundo multipolar, centrado em
resoluções políticas pacíficas dos focos de conflitos e em formas de cooperação
solidária para o desenvolvimento das regiões mais atrasadas.
No
entanto, esses governos recebem uma pesada herança de um passado recente de
enormes retrocessos de todo tipo. O Brasil – assim como a América Latina – passou
pela crise da dívida, que encerrou o mais longo ciclo de crescimento econômico
da nossa história, iniciado nos anos 1930 com a reação à crise de 1929. Sofreu
os efeitos da ditadura militar, de mais de duas décadas, que quebrou a
capacidade de resistência do movimento popular, preparando as condições para o
outro fenômeno regressivo. Os governos neoliberais, de mais de uma década – de
Collor a FHC – completaram esse processo regressivo do ponto de vista
econômico, social e ideológico.
Assim,
Lula não retoma o processo de desenvolvimento econômico e social onde ele havia
sido estancado, mas recebe uma herança que inclui não apenas uma profunda e
prolongada recessão, mas um Estado desarticulado, uma economia penetrada pelo
capital estrangeiro, um mercado interno escancarado para o mercado
internacional, uma sociedade fragmentada, com a maior parte dos trabalhadores
sem contrato de trabalho.
O segredo
do sucesso do governo Lula, seguido pelo de Dilma, está na ruptura em três
aspectos essenciais do modelo neoliberal:
- a
prioridade das políticas sociais e não do ajuste fiscal, mantido em funções
dessas políticas
- a
prioridade dos processos de integração regional e das alianças Sul-Sul e não de
Tratado de Livre Comércio com os EUA
- a
retomada do papel do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia
dos direitos sociais, deslocando a centralidade do mercado pregada e praticada
pelo neoliberalismo.
Essas
características constituem o eixo do modelo posneoliberal – comum a todos os
governos progressistas latino-americanos -, que faz do continente um caso
particular de única região do mundo que apresenta um conjunto de governos que
pretendem superar o neoliberalismo e que desenvolvem projetos de integração
regional autônomos em relação aos EUA.
Foi uma década
essencial no Brasil, não apenas pelas transformações essenciais que o país
sofreu, mas também porque ela reverteu tendências históricas, especialmente à
desigualdade, que tinham feito do Brasil o país mais desigual do continente
mais desigual do mundo.
A década
merece uma reflexão profunda e sistemática, que parta da herança recebida,
analise os avanços realizados e projete as perspectivas, os problemas e o
futuro do Brasil nesta década.
Um livro com textos de 21 dos melhores
pensadores da esquerda, que está sendo organizado por mim, deve ser lançado num
seminário geral por volta de abril e, a partir desse momento, fazer várias
dezenas de lançamentos e debates por todo o ano.
O projeto
pretende promover discussões estratégicas sobre o Brasil, elevando a reflexão
sobre os problemas que enfrentamos e projetando o futuro da construção de uma
alternativa ao neoliberalismo.
Postado
por Emir Sader às 10:23
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