Espaço Ubunto

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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Frente Negra Brasileira



Frente Negra Brasileira
A Frente Negra Brasileira foi fundada em 16 de setembro de 1931 e durou até 1937, tornando-se partido político em 1936. Foi a mais importante entidade de afro-descendentes na primeira metade do século, no campo sócio-político.
Trecho extraído do depoimento de Francisco Lucrécio para o livro Frente Negra Brasileira
"A Frente Negra foi um movimento social que ajudou muito nas lutas pelas posições do negro aqui em São Paulo. Existiam diversas entidades negras. Todas essas entidades cuidavam da parte recreativa e social, mas a Frente veio com um programa de luta para conquistar posições para o negro em todos os setores da vida brasileira. Um dos seus departamentos, inclusive, enveredou pela questão política, porque nós chegamos à conclusão de que, para conquistar o que desejávamos, teríamos de lutar no campo político, teríamos de ter um partido que verdadeiramente nos representasse. A consciência que existia na época eu acho que era muito mais forte que a que existe agora. Quando o negro sente uma pressão, quando qualquer agrupamento humano sente uma pressão, procura um meio de defesa. A pressão era tão forte que muitos jornais publicavam: “Precisa-se de empregado, mas não queremos de cor”. Havia alguns movimentos também no interior, principalmente nos lugares em que os negros não passeavam nos jardins, mas na calçada. Muitas famílias não aceitavam, inclusive, empregadas domésticas negras; começaram a aceitar quando se criou a Frente Negra Brasileira. Chegou-se ao ponto de exigir que essas negras tivessem as carteirinhas da Frente.
Então, essa consciência era muito mais acentuada do que nos dias atuais. Porque hoje os jovens negros, a meu ver, estão muito acomodados, não sei se por receio ou não.
A Frente Negra funcionava perfeitamente. Lá havia o departamento esportivo, o musical, o feminino, o educacional, o de instrução moral e cívica. Todos os departamentos tinham a sua diretoria, e o Grande Conselho supervisionava todos eles. Trabalhavam muito bem. Dessa forma, muitas entidades de negros que cuidavam de recreação filiaram-se à Frente Negra. E existiam diversas sociedades em São Paulo e pelo interior afora. Por isso a Frente cresceu muito, cresceu de uma tal maneira que tinha delegação no Rio de Janeiro, na Bahia, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais etc."

Teatro experimental do negro: trajetória e reflexões
Abdias do Nascimento

RESUMO
A TRAJETÓRIA do Teatro Experimental do Negro (TEN) e sua proposta de, a partir de 1944, quando foi fundado, no Rio de Janeiro, trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, através da educação, da cultura e da arte.

VÁRIAS INTERROGAÇÕES suscitaram ao meu espírito a tragédia daquele negro infeliz que o gênio de Eugene O'Neill transformou em O Imperador Jones. Isso acontecia no Teatro Municipal de Lima, capital do Peru, onde me encontrava com os poetas Efraín Tomás Bó, Godofredo Tito Iommi e Raul Young, argentinos, e o brasileiro Napoleão Lopes Filho. Ao próprio impacto da peça juntava-se outro fato chocante: o papel do herói representado por um ator branco tingido de preto.
Àquela época, 1941, eu nada sabia de teatro, economista que era, e não possuía qualificação técnica para julgar a qualidade interpretativa de Hugo D'Evieri. Porém, algo denunciava a carência daquela força passional específica requerida pelo texto, e que unicamente o artista negro poderia infundir à vivência cênica desse protagonista, pois o drama de Brutus Jones é o dilema, a dor, as chagas existenciais da pessoa de origem africana na sociedade racista das Américas.
Por que um branco brochado de negro? Pela inexistência de um intérprete dessa raça? Entretanto, lembrava que, em meu país, onde mais de vinte milhões de negros somavam a quase metade de sua população de sessenta milhões de habitantes, na época, jamais assistira a um espetáculo cujo papel principal tivesse sido representado por um artista da minha cor. Não seria, então, o Brasil, uma verdadeira democracia racial? Minhas indagações avançaram mais longe: na minha pátria, tão orgulhosa de haver resolvido exemplarmente a convivência entre pretos e brancos, deveria ser normal a presença do negro em cena, não só em papéis secundários e grotescos, conforme acontecia, mas encarnando qualquer personagem – Hamlet ou Antígona – desde que possuísse o talento requerido. Ocorria de fato o inverso: até mesmo um Imperador Jones, se levado aos palcos brasileiros, teria necessariamente o desempenho de um ator branco caiado de preto, a exemplo do que sucedia desde sempre com as encenações de Otelo. Mesmo em peças nativas, tipo O demônio familiar (1857), de José de Alencar, ou Iaiá boneca (1939), de Ernani Fornari, em papéis destinados especificamente a atores negros se teve como norma a exclusão do negro autêntico em favor do negro caricatural. Brochava-se de negro um ator ou atriz branca quando o papel contivesse certo destaque cênico ou alguma qualificação dramática. Intérprete negro só se utilizava para imprimir certa cor local ao cenário, em papéis ridículos, brejeiros e de conotações pejorativas.
Devemos ter em mente que até o aparecimento de Os Comediantes e de Nelson Rodrigues – que procederam à nacionalização do teatro brasileiro em termos de texto, dicção, encenação e impostação do espetáculo – nossa cena vivia da reprodução de um teatro de marca portuguesa que em nada refletia uma estética emergente de nosso povo e de nossos valores de representação. Esta verificação reforçava a rejeição do negro como personagem e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias específicas no campo sociocultural e religioso, como temática da nossa literatura dramática.
Naquela noite em Lima, essa constatação melancólica exigiu de mim uma resolução no sentido de fazer alguma coisa para ajudar a erradicar o absurdo que isso significava para o negro e os prejuízos de ordem cultural para o meu país. Ao fim do espetáculo, tinha chegado a uma determinação: no meu regresso ao Brasil, criaria um organismo teatral aberto ao protagonismo do negro, onde ele ascendesse da condição adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói das histórias que representasse. Antes de uma reivindicação ou um protesto, compreendi a mudança pretendida na minha ação futura como a defesa da verdade cultural do Brasil e uma contribuição ao humanismo que respeita todos os homens e as diversas culturas com suas respectivas essencialidades. Não seria outro o sentido de tentar desfiar, desmascarar e transformar os fundamentos daquela anormalidade objetiva dos idos de 1944, pois dizer teatro genuíno – fruto da imaginação e do poder criador do homem – é dizer mergulho nas raízes da vida. E vida brasileira excluindo o negro de seu centro vital, só por cegueira ou deformação da realidade.
Fundação e estréia do TEN
Engajado a estes propósitos, surgiu, em 1944, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro, ou TEN, que se propunha a resgatar, no Brasil, os valores da pessoa humana e da cultura negro-africana, degradados e negados por uma sociedade dominante que, desde os tempos da colônia, portava a bagagem mental de sua formação metropolitana européia, imbuída de conceitos pseudo-científicos sobre a inferioridade da raça negra. Propunha-se o TEN a trabalhar pela valorização social do negro no Brasil, através da educação, da cultura e da arte.
Pela resposta da imprensa e de outros setores da sociedade, constatei, aos primeiros anúncios da criação deste movimento, que sua própria denominação surgia em nosso meio como um fermento revolucionário. A menção pública do vocábulo "negro" provocava sussurros de indignação. Era previsível, aliás, esse destino polêmico do TEN, numa sociedade que há séculos tentava esconder o sol da verdadeira prática do racismo e da discriminação racial com a peneira furada do mito da "democracia racial". Mesmo os movimentos culturais aparentemente mais abertos e progressistas, como a Semana de Arte Moderna, de São Paulo, em 1922, sempre evitaram até mesmo mencionar o tabu das nossas relações raciais entre negros e brancos, e o fenômeno de uma cultura afro-brasileira à margem da cultura convencional do país.
Polidamente rechaçada pelo então festejado intelectual mulato Mário de Andrade, de São Paulo, minha idéia de um Teatro Experimental do Negro recebeu as primeiras adesões: o advogado Aguinaldo de Oliveira Camargo, companheiro e amigo desde o Congresso Afro-Campineiro que realizamos juntos em 1938; o pintor Wilson Tibério, há tempos radicado na Europa; Teodorico dos Santos e José Herbel. A estes cinco, se juntaram logo depois Sebastião Rodrigues Alves, militante negro; Arinda Serafim, Ruth de Souza, Marina Gonçalves, empregadas domésticas; o jovem e valoroso Claudiano Filho; Oscar Araújo, José da Silva, Antonieta, Antonio Barbosa, Natalino Dionísio, e tantos outros.
Teríamos que agir urgentemente em duas frentes: promover, de um lado, a denúncia dos equívocos e da alienação dos chamados estudos afro-brasileiros, e fazer com que o próprio negro tomasse consciência da situação objetiva em que se achava inserido. Tarefa difícil, quase sobre-humana, se não esquecermos a escravidão espiritual, cultural, socioeconômica e política em que foi mantido antes e depois de 1888, quando teoricamente se libertara da servidão.
A um só tempo o TEN alfabetizava seus primeiros participantes, recrutados entre operários, empregados domésticos, favelados sem profissão definida, modestos funcionários públicos – e oferecia-lhes uma nova atitude, um critério próprio que os habilitava também a ver, enxergar o espaço que ocupava o grupo afro-brasileiro no contexto nacional. Inauguramos a fase prática, oposta ao sentido acadêmico e descritivo dos referidos e equivocados estudos. Não interessava ao TEN aumentar o número de monografias e outros escritos, nem deduzir teorias, mas a transformação qualitativa da interação social entre brancos e negros. Verificamos que nenhuma outra situação jamais precisara tanto quanto a nossa do distanciamento de Bertolt Brecht. Uma teia de imposturas, sedimentada pela tradição, se impunha entre o observador e a realidade, deformando-a. Urgia destruí-la. Do contrário, não conseguiríamos descomprometer a abordagem da questão, livrá-la dos despistamentos, do paternalismo, dos interesses criados, do dogmatismo, da pieguice, da má-fé, da obtusidade, da boa-fé, dos estereótipos vários. Tocar tudo como se fosse pela primeira vez, eis uma imposição irredutível.
Cerca de seiscentas pessoas, entre homens e mulheres, se inscreveram no curso de alfabetização do TEN, a cargo do escritor Ironides Rodrigues, estudante de direito dotado de um conhecimento cultural extraordinário. Outro curso básico, de iniciação à cultura geral, era lecionado por Aguinaldo Camargo, personalidade e intelecto ímpar no meio cultural da comunidade negra. Enquanto as primeiras noções de teatro e interpretação ficavam a meu cargo, o TEN abriu o debate dos temas que interessavam ao grupo, convidando vários palestrantes, entre os quais a professora Maria Yeda Leite, o professor Rex Crawford, adido cultural da Embaixada dos Estados Unidos, o poeta José Francisco Coelho, o escritor Raimundo Souza Dantas, o professor José Carlos Lisboa.
Após seis meses de debates, aulas e exercícios práticos de atuação em cena, preparados estavam os primeiros artistas do TEN. Estávamos em condições de apresentar publicamente o nosso elenco. Revelou-se então a necessidade de uma peça ao nível das ambições artísticas e sociais do movimento: em primeiro lugar, o resgate do legado cultural e humano do africano no Brasil. O que então se valorizava e divulgava em termos de cultura afro-brasileira, batizado de "reminiscências", eram o mero folclore e os rituais do candomblé, servidos como alimento exótico pela indústria turística (no mesmo sentido podemos inscrever hoje a exploração do samba, criação afro-brasileira, pela classe dominante branca, levada nos últimos anos ao exagero do espetáculo carnavalesco luxuoso e, pela carestia, cada vez mais longe do alcance do povo que o criou).
O TEN não se contentaria com a reprodução de tais lugares-comuns, pois procurava dimensionar a verdade dramática, profunda e complexa, da vida e da personalidade do grupo afro-brasileiro. Qual o repertório nacional existente? Escassíssimo. Uns poucos dramas superados, onde o negro fazia o cômico, o pitoresco, ou a figuração decorativa: O demônio familiar (1857) e Mãe (1859), ambas de José de Alencar; Os cancros sociais (1865), de Maria Ribeiro; O escravo fiel (1858), de Carlos Antonio Cordeiro; O escravocrata (1884) e O dote (1907), de Artur Azevedo, a primeira com a colaboração de Urbano Duarte; Calabar (1858), de Agrário de Menezes; as comédias de Martins Pena (1815-1848). E nada mais. Nem ao menos um único texto que refletisse nossa dramática situação existencial.
Sem possibilidade de opção, O imperador Jones se impôs como solução natural. Não cumprira a obra de O'Neill idêntico papel nos destinos do negro norte-americano? Tratava-se de uma peça significativa: transpondo as fronteiras do real, da logicidade racionalista da cultura branca, não condensava a tragédia daquele burlesco imperador um alto instante da concepção mágica do mundo, da visão transcendente e do mistério cósmico, das núpcias perenes do africano com as forças prístinas da natureza? O comportamento mítico do Homem nela se achava presente. Ao nível do cotidiano, porém, Jones resumia a experiência do negro no mundo branco, onde, depois de ter sido escravizado, libertam-no e o atiram nos mais baixos desvãos da sociedade. Transviado num mundo que não é o seu, Brutus Jones aprende os maliciosos valores do dinheiro, deixa-se seduzir pela miragem do poder. Além do impacto dramático, a peça trazia a oportunidade de reflexão e debate em torno de temas fundamentais aos propósitos do TEN.
Escrevemos a Eugene O'Neill uma carta aflita de socorro. Nenhuma resposta jamais foi tão ansiosamente esperada. Quem já não sentiu a atmosfera de solidão e pessimismo que rodeia o gesto inaugural, quando se tem a sustentá-lo unicamente o poder de um sonho? De seu leito de enfermo, em São Francisco, a 6 de dezembro de 1944, O'Neill nos respondeu:
You have my permission to produce The Emperor Jones without any payment to me, and I want to wish you all the success you hope for with your Teatro Experimental do Negro. I know very well the conditions you describe in the Brazilian theatre. We had exactly the same conditions in our theatre before The Emperor Jones was produced in New York in 1920 – parts of any consequence were always played by blacked-up white actors. (This, of course, did not apply to musical comedy or vaudeville, where a few negroes managed to achieve great sucess). After The Emperor Jones, played originally by Charles Gilpin and later by Paul Robeson, made a great success, the way was open for the negro to play serious drama in our theatre. What hampers most now is the lack of plays, but I think before long there will be negro dramatists of real merit to overcome this lack.
Esta generosa adesão e lúcido conselho tiveram importância decisiva em nosso projeto. Transformaram o total desamparo das primeiras horas em confiança e euforia. Ajudaram a que nos tornássemos capazes de suprir com intuição e audácia o que nos faltava em conhecimento de técnica teatral e em recurso financeiro para enfrentar as inevitáveis despesas com cenários, figurinos, maquinistas, eletricistas, contra-regra. Encontramos em Aguinaldo de Oliveira Camargo a força dramática capaz de dimensionar a complexidade psicológica de Brutus Jones. Ricardo Werneck de Aguiar nos ofereceu uma excelente tradução. Os mais belos e menos onerosos cenários que poderíamos pretender foram criados pelo pintor Enrico Bianco, os quais se tornaram clássicos no teatro brasileiro. A colaboração desses dois amigos brancos do teatro negro iniciou uma tradição que depois se consolidaria com a ação solidária de muitos outros amigos do TEN, entre eles o fotógrafo José Medeiros, o diretor teatral Willy Keller, o cenógrafo Santa Rosa, o diretor Léo Jusi, assim como o ator Sady Cabral, que encarnou o Smithers de O imperador Jones.
Sob intensa expectativa, a 8 de maio de 1945, uma noite histórica para o teatro brasileiro, o TEN apresentou seu espetáculo fundador. O estreante ator Aguinaldo Camargo entrou no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde antes nunca pisara um negro como intérprete ou como público, e, numa interpretação inesquecível, viveu o trágico Brutus Jones, de O'Neill. Na sua unanimidade, a crítica saudou entusiasticamente o aparecimento do Teatro Experimental do Negro e do grande ator negro Aguinaldo Camargo, comparando-o em estrutura dramática a Paul Robeson, que também desempenhou o mesmo personagem nos Estados Unidos. Henrique Pongetti, cronista de O Globo, registrou: "Os negros do Brasil – e os brancos também – possuem agora um grande astro dramático: Aguinaldo de Oliveira Camargo. Um anti-escolar, rústico, instintivo grande ator".
Um clima de pessimismo e descrença dos meios culturais havia cercado a estréia do TEN, expresso nessas palavras do escritor Ascendino Leite:
Nossa surpresa foi tanto maior quanto as dúvidas que alimentávamos relativamente à escolha do repertório que começava, precisamente, por incluir um autor da força e da expressão de um O'Neill. Augurávamos para o Teatro Experimental do Negro um redondo fracasso. E, no mínimo, formulávamos censuras à audácia com que esse grupo de intérpretes, quase todos desconhecidos, ousava enfrentar um público que já começava a ver no teatro mais do que um divertimento, uma forma mais direta de penetração no centro da vida e da natureza humana. Aguinaldo Camargo em O Imperador Jones foi, no entanto, uma revelação.
R. Magalhães Júnior traduziu o desejo dos que não assistiram:
O espetáculo de estréia do Teatro do Negro merecia, na verdade, ser repetido, porque foi um espetáculo notável. E notável por vários títulos. Pela direção firme e segura com que foi conduzido. Pelos esplêndidos e artísticos cenários sintéticos de Enrico Bianco. E pela magistral interpretação de Aguinaldo de Oliveira Camargo no papel do negro Jones.
Infelizmente, as circunstâncias não permitiram a repetição daquele espetáculo, pois o palco do Teatro Municipal havia sido concedido ao TEN por uma única noite, e assim mesmo por intervenção direta do Presidente Getúlio Vargas, num gesto no mínimo insólito para os meios culturais da sociedade carioca.
Conquistara o TEN sua primeira vitória. Encerrada estava a fase do negro sinônimo de palhaçada na cena brasileira. Um ator fabuloso como Grande Otelo poderia de agora em diante continuar extravasando sua comicidade. Mas já se sabia que outros caminhos estavam abertos e que só a cegueira ou a má vontade dos empresários continuaria não permitindo que as platéias conhecessem o que, muito acima da graça repetida, seria capaz o talento de atores negros como Grande Otelo e Aguinaldo Camargo.
Como diria mais tarde Roger Bastide, o TEN não era a catarsis que se exprime e se realiza no riso, já que o problema é infinitamente mais trágico: o do esmagamento da cultura negra pela cultura dominante.
A primeira vitória abriu passagem à responsabilidade do segundo lance: a criação de peças dramáticas brasileiras para o artista negro, ultrapassando o primarismo repetitivo do folclore, dos autos e folguedos remanescentes do período escravocrata. Almejávamos uma literatura dramática focalizando as questões mais profundas da vida afro-brasileira. Toda razão tinha o conselho de O'Neill. Uma coisa é aquilo que o branco exprime como sentimentos e dramas do negro; outra coisa'é o seu até então oculto coração, isto é, o negro desde dentro. A experiência de ser negro num mundo branco'é algo intransferível.
Enquanto não dispunha dessa literatura dramática específica, o TEN continuou trabalhando. Ao imperador Jonesseguiram-se outros textos de O'Neill, a começar por Todos os filhos de Deus têm asas, encenado em 1946 no Teatro Fênix, com cenários de Mário de Murtas. Trocando de lugar comigo, Aguinaldo Camargo assumiu, desta vez, a direção dos intérpretes Ruth de Souza, Abdias do Nascimento, Ilena Teixeira, e José Medeiros. Cristiano Machado, do Vanguarda, comentou na sua crítica que "Não basta apenas representar O'Neill; o autor de Todos os filhos de Deus têm asas exige que o saibam representar. Foi o que aconteceu no espetáculo a que assistimos no Fênix". Mais tarde, o TEN ainda produziu, de Eugene O'Neill, O moleque sonhador e Onde está marcada a cruz.

Formação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
No dia 07 de julho de 1978, foi inaugurado o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial. Seu surgimento se deu a partir de um ato público que reuniu milhares de pessoas nas escadarias do Teatro Municipal, quando negras e negros de vários estados do Brasil repudiaram, denunciaram e exigiram providências diante dos atos de racismo em que foram vítimas quatro atletas negros do time de voleibol do Clube de Regatas Tietê e, também pela ação da polícia que assassinou o operário negro Robson Silveira da Luz. Após esse ato, foi realizado o 1º Congresso, em 1978, dando início a fundação do MNU.

A MARCHA QUE MUDOU O MOVIMENTO NEGRO
Amauri Mendes Pereira*
Marcha contra o racismo 1988 - Foto Januário Garcia
Espero que vocês compreendam, o problema não é comigo, é com os verde. (HÉLIO SABOYA, então Secretario de Polícia Civil do Rio de Janeiro) Aludindo desta forma às pressões do Comando Militar do leste que prometia reprimir a manifestação, Hélio Saboya, então Secretario de Polícia Civil, em 1988, visivelmente preocupado, repetia esta frase aos membros do comando da marcha, que foram convidados por ele para conversar em seu gabinete horas antes do evento. O susto No dia 11 de maio de 1988, o Centro da cidade amanhece ocupado pro forças militares. Os pedestre não entendiam o que estava acontecendo e os boatos corriam soltos. O fato é que tamanho aparato visava impedir que a Marcha contra a farsa da abolição, programada para o fim de tarde. Para tal, os militares cercaram e depredaram os palanques montados pela Riotur em frente à Central do Brasil, reprimiram e prenderam militantes que chegavam dos subúrbios e da Baixada Fluminense nos terminais ferroviários e destruíram faixas, cartazes etc e se posicionaram em maior número frente à igreja da Candelária e início da Av. Presidente Vargas, onde seria a concentração. A sua principal desculpa seria impedir para impedir a marcha - a alegação de que pretendíamos agravar a imagem de Duque de Caxias - caiu por terra no momento em que concordamos avançar pela pista do lado contrário da avenida - passaríamos quase a cem metros daquela estátua - e mesmo assim, eles permaneceram irredutíveis. O que, de fato, levara os militares a reprimir a nossa manifestação? Uma resposta inicial era a perplexidade com o grau de mobilização alcançado pelo Movimento Negro(eles possuíam informações). Dificilmente poderiam controlar evento com a envergadura que advinhavam. Mas é claro que não era apenas isso. Conversas posteriores, deixavam patente o racismo. A maioria deles não perdoaria a " ousadia" do Movimento Negro. Afinal, "o centenário da Abolição deveria ser festivo, comemorando a integração racial. As reclamações desses negros não têm sentido, são antipatrióticas... Além disso, aquela postura idelógica percbia outras implicações. Pela primeira vez, o percurso da marcha invertera o sentido usual das manifestações políticas - seguíramos na mesma direção do "mar de gente" que abandona a cidade no horário do rush(da Candelária à Central), o que potencializaria a nossa manifestação, ampliando o alcance de nossas mensagens e o nosso êxito. Ainda mais que finalirariamos, em grande estilo, no maior ponto de circulação de massa do Rio de Janeiro.
A construção Compreensivelmente, a maioria dos militantes comemorou o sucesso estrondoso daquela ação, acompanhada por máximo interesse pela mídia nacional e internacional - "todo mundo viu o racismo no Brasil" -, vibrava a massa! Mais de 20 mil pessoas. O comando da Marcha, no entanto, cometeu um erro fundamental: se desmobilizou no fim da marcha ao invés de concentrar esforços para multiplicar a repercussão e veicular a sua voz, consagrando a sua visibilidade e a conquista de espaço.
Marcha contra o racismo 1988 - Foto Januário Garcia
As razões para a insensatez dos dirigentes estão nas diferentes concepções que orientam a militância quanto ao papel do M ovimento Negro na Luta Contra o Racismo e a importância dessa transformação da sociedade brasileira. Poucos perceberam que havíamos conseguido algo inédito e de suma importância - estava nas mãos do Comando da marcha - se tornar o centro das atenções, no momento em que toda a sociedade " respirava" as emoções das memórias da escravidão/abolição, sem dúvida, a refrência histórica mais incrustada no âmago do povo brasileiro.
Marcha contra o racismo 1988 - Foto Januário Garcia
Nunca antes havíamos construído uma ação daquela forma- o entusiasmo da militância suoerando as desavenças e limitações das entidades, a partir de uma forma embrionária de organização muito mais ampla e ágil: os comitês. Foram oito meses desde os primeiros contatos e a divulgação de uma postura estratégica crucial: não deveríamos nos preocupar com as atividades oficiais quase sempre diversionistas e desagregadoras em nosso meio. O mais importante era concentrar esforços na construção de um momento nosso, do Movimento negro. As alianças e adesões de outros setores viriam naturalmente ameida que definíssemos o nosso campo de força. O que determinou aquela posição fi a visão de que desde o início de 88, teríamos "os ventos a nosso favor": a) nível de sensibilidade social em função do Centenário, o quê obrigaria a mídia em geral a tratar do tema. B. O avanço da Consciência Negra e da Luta Contra o Racismo, capaz de respaldar um plano objetivo de mobilização. C) a existência de entidades negras fortes e de uma militância que se espalhava por vários setores da sociedade(foi fundamental a participação dos religiosos do Movimento Comunitário, de sindicalistas...) e por todo o estado do Rio de Janeiro.
Construção para quê?
Muita gente assistiu ao vídeo "A Marcha da Abolição", da Enugabirjo( Adauto e Vick). Nele se mostra claremnte o clima de terror impingido pelas forças policiais e militares. Quando o Comando da Marcha chegou ao local da concentração se deparou, por um lado, com a disposição da "massa", que não se intimidava; e por outro, com o assédio dos oficiais militares que "tinham ordens para impedir a Marcha e evitar o perigo da radicalização de ânimos e da degeneração do conflito aberto". A nossa decisão de concentrar e marchar de qualquer maneira instalou o impasse. Foi o próprio Secretario de Polícia Civil que veio negociar com o nosso deslocamento..."até onde o racismo ia deixar".
Menos de um quilometro separaram a alegria da vitória - Vamos caminhar, pessoal!- de uma decisão que violentou sonhos e vontades tanto tempo represadas.

Movimento negro realiza marcha em defesa dos quilombolas – 1995 – 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares
O ato público acontecerá no dia 7 de novembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília
No dia 7 de novembro, instituído como o Dia Nacional de Luta Pela Regularização Fundiária, será realizada a Marcha nacional em defesa dos direitos dos quilombolas.  Organizado pela Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq), o ato público será realizado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
O Movimento Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas é hoje um dos mais ativos agentes do movimento negro no Brasil. Unidos pela força da identidade étnica, os quilombolas construíram e atualmente defendem um território que vive sob constante ameaça de invasão, uma realidade que revela como o racismo age no país, impedindo que negros e negras tenham o direito à propriedade, mesmo sendo eles os donos legítimos das terras herdadas dos seus antepassados.
Descendentes diretos de Zumbi dos Palmares, símbolo máximo da luta do povo negro por liberdade, os negros que antes lutaram contra a escravidão e formaram territórios livres, hoje travam no dia-a-dia um embate pelo direito a terra. É uma história de resistência que garantiu a continuidade de centenas de quilombos. Sem dúvida uma sobrevivência sofrida, mas com vitórias.
Diante da resistência tornou-se impossível para o governo brasileiro não responder às demandas desse movimento. Essa situação foi consolidada a partir da afirmação da ação coletiva expressa na realização do I Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas, em novembro de 1995.
Neste sentido as Comunidades Negras Rurais Quilombolas alteraram a capacidade de mobilização regionalizada exercitada nas últimas décadas colocando a problemática do negro do meio rural como questão nacional. Como mecanismo de organização constituiu-se a Conaq. Dessa forma a marcha quilombola vem no sentido de dar visibilidade a luta de milhares de quilombolas espalhados pelo Brasil em busca de seus direitos constituídos.

Zumbi mais 10 – 2005.

Um comentário:

Carlos Carvalho Cavalheiro disse...

Muito interessante. Só para ampliar a conversa, gostaria de dizer que assim que foi fundada a FNB começou a criar seus núcleos no interior de São Paulo. Exemplo disso é o núcleo de Porto Feliz (1931) e Sorocaba (1932).
Trato por cima desse assunto no meu livro "Vadios e Imorais".
Abs,
Carlos