Frente
Negra Brasileira
A Frente Negra Brasileira
foi fundada em 16 de setembro de 1931 e durou até 1937, tornando-se partido
político em 1936. Foi a mais importante entidade de afro-descendentes na
primeira metade do século, no campo sócio-político.
Trecho extraído do
depoimento de Francisco Lucrécio para o livro Frente Negra Brasileira
"A Frente Negra foi
um movimento social que ajudou muito nas lutas pelas posições do negro aqui em
São Paulo. Existiam diversas entidades negras. Todas essas entidades cuidavam
da parte recreativa e social, mas a Frente veio com um programa de luta para
conquistar posições para o negro em todos os setores da vida brasileira. Um dos
seus departamentos, inclusive, enveredou pela questão política, porque nós
chegamos à conclusão de que, para conquistar o que desejávamos, teríamos de
lutar no campo político, teríamos de ter um partido que verdadeiramente nos
representasse. A consciência que existia na época eu acho que era muito mais
forte que a que existe agora. Quando o negro sente uma pressão, quando qualquer
agrupamento humano sente uma pressão, procura um meio de defesa. A pressão era
tão forte que muitos jornais publicavam: “Precisa-se de empregado, mas não
queremos de cor”. Havia alguns movimentos também no interior, principalmente
nos lugares em que os negros não passeavam nos jardins, mas na calçada. Muitas
famílias não aceitavam, inclusive, empregadas domésticas negras; começaram a
aceitar quando se criou a Frente Negra Brasileira. Chegou-se ao ponto de exigir
que essas negras tivessem as carteirinhas da Frente.
Então, essa consciência
era muito mais acentuada do que nos dias atuais. Porque hoje os jovens negros,
a meu ver, estão muito acomodados, não sei se por receio ou não.
A Frente Negra funcionava
perfeitamente. Lá havia o departamento esportivo, o musical, o feminino, o
educacional, o de instrução moral e cívica. Todos os departamentos tinham a sua
diretoria, e o Grande Conselho supervisionava todos eles. Trabalhavam muito
bem. Dessa forma, muitas entidades de negros que cuidavam de recreação
filiaram-se à Frente Negra. E existiam diversas sociedades em São Paulo e pelo
interior afora. Por isso a Frente cresceu muito, cresceu de uma tal maneira que
tinha delegação no Rio de Janeiro, na Bahia, no Rio Grande do Sul, em Minas
Gerais etc."
Teatro experimental do negro:
trajetória e reflexões
Abdias do Nascimento
RESUMO
A TRAJETÓRIA do Teatro
Experimental do Negro (TEN) e sua proposta de, a partir de 1944, quando foi
fundado, no Rio de Janeiro, trabalhar pela valorização social do negro no
Brasil, através da educação, da cultura e da arte.
VÁRIAS INTERROGAÇÕES suscitaram
ao meu espírito a tragédia daquele negro infeliz que o gênio de Eugene O'Neill
transformou em O Imperador Jones. Isso acontecia no Teatro Municipal de Lima,
capital do Peru, onde me encontrava com os poetas Efraín Tomás Bó, Godofredo
Tito Iommi e Raul Young, argentinos, e o brasileiro Napoleão Lopes Filho. Ao
próprio impacto da peça juntava-se outro fato chocante: o papel do herói
representado por um ator branco tingido de preto.
Àquela época, 1941, eu nada sabia
de teatro, economista que era, e não possuía qualificação técnica para julgar a
qualidade interpretativa de Hugo D'Evieri. Porém, algo denunciava a carência
daquela força passional específica requerida pelo texto, e que unicamente o
artista negro poderia infundir à vivência cênica desse protagonista, pois o
drama de Brutus Jones é o dilema, a dor, as chagas existenciais da pessoa de
origem africana na sociedade racista das Américas.
Por que um branco brochado de
negro? Pela inexistência de um intérprete dessa raça? Entretanto, lembrava que,
em meu país, onde mais de vinte milhões de negros somavam a quase metade de sua
população de sessenta milhões de habitantes, na época, jamais assistira a um espetáculo
cujo papel principal tivesse sido representado por um artista da minha cor. Não
seria, então, o Brasil, uma verdadeira democracia racial? Minhas indagações
avançaram mais longe: na minha pátria, tão orgulhosa de haver resolvido
exemplarmente a convivência entre pretos e brancos, deveria ser normal a
presença do negro em cena, não só em papéis secundários e grotescos, conforme
acontecia, mas encarnando qualquer personagem – Hamlet ou Antígona – desde que
possuísse o talento requerido. Ocorria de fato o inverso: até mesmo um
Imperador Jones, se levado aos palcos brasileiros, teria necessariamente o
desempenho de um ator branco caiado de preto, a exemplo do que sucedia desde
sempre com as encenações de Otelo. Mesmo em peças nativas, tipo O demônio
familiar (1857), de José de Alencar, ou Iaiá boneca (1939), de
Ernani Fornari, em papéis destinados especificamente a atores negros se teve
como norma a exclusão do negro autêntico em favor do negro caricatural.
Brochava-se de negro um ator ou atriz branca quando o papel contivesse certo
destaque cênico ou alguma qualificação dramática. Intérprete negro só se
utilizava para imprimir certa cor local ao cenário, em papéis ridículos,
brejeiros e de conotações pejorativas.
Devemos ter em mente que até o
aparecimento de Os Comediantes e de Nelson Rodrigues – que procederam à
nacionalização do teatro brasileiro em termos de texto, dicção, encenação e
impostação do espetáculo – nossa cena vivia da reprodução de um teatro de marca
portuguesa que em nada refletia uma estética emergente de nosso povo e de
nossos valores de representação. Esta verificação reforçava a rejeição do negro
como personagem e intérprete, e de sua vida própria, com peripécias específicas
no campo sociocultural e religioso, como temática da nossa literatura
dramática.
Naquela noite em Lima, essa
constatação melancólica exigiu de mim uma resolução no sentido de fazer alguma
coisa para ajudar a erradicar o absurdo que isso significava para o negro e os
prejuízos de ordem cultural para o meu país. Ao fim do espetáculo, tinha
chegado a uma determinação: no meu regresso ao Brasil, criaria um organismo
teatral aberto ao protagonismo do negro, onde ele ascendesse da condição
adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói das histórias que
representasse. Antes de uma reivindicação ou um protesto, compreendi a mudança
pretendida na minha ação futura como a defesa da verdade cultural do Brasil e
uma contribuição ao humanismo que respeita todos os homens e as diversas
culturas com suas respectivas essencialidades. Não seria outro o sentido de
tentar desfiar, desmascarar e transformar os fundamentos daquela anormalidade
objetiva dos idos de 1944, pois dizer teatro genuíno – fruto da imaginação e do
poder criador do homem – é dizer mergulho nas raízes da vida. E vida brasileira
excluindo o negro de seu centro vital, só por cegueira ou deformação da
realidade.
Fundação e estréia do TEN
Engajado a estes propósitos,
surgiu, em 1944, no Rio de Janeiro, o Teatro Experimental do Negro, ou TEN, que
se propunha a resgatar, no Brasil, os valores da pessoa humana e da cultura
negro-africana, degradados e negados por uma sociedade dominante que, desde os
tempos da colônia, portava a bagagem mental de sua formação metropolitana
européia, imbuída de conceitos pseudo-científicos sobre a inferioridade da raça
negra. Propunha-se o TEN a trabalhar pela valorização social do negro no
Brasil, através da educação, da cultura e da arte.
Pela resposta da imprensa e de
outros setores da sociedade, constatei, aos primeiros anúncios da criação deste
movimento, que sua própria denominação surgia em nosso meio como um fermento
revolucionário. A menção pública do vocábulo "negro" provocava
sussurros de indignação. Era previsível, aliás, esse destino polêmico do TEN,
numa sociedade que há séculos tentava esconder o sol da verdadeira prática do
racismo e da discriminação racial com a peneira furada do mito da
"democracia racial". Mesmo os movimentos culturais aparentemente mais
abertos e progressistas, como a Semana de Arte Moderna, de São Paulo, em 1922,
sempre evitaram até mesmo mencionar o tabu das nossas relações raciais entre
negros e brancos, e o fenômeno de uma cultura afro-brasileira à margem da
cultura convencional do país.
Polidamente rechaçada pelo então
festejado intelectual mulato Mário de Andrade, de São Paulo, minha idéia de um
Teatro Experimental do Negro recebeu as primeiras adesões: o advogado Aguinaldo
de Oliveira Camargo, companheiro e amigo desde o Congresso Afro-Campineiro que
realizamos juntos em 1938; o pintor Wilson Tibério, há tempos radicado na
Europa; Teodorico dos Santos e José Herbel. A estes cinco, se juntaram logo
depois Sebastião Rodrigues Alves, militante negro; Arinda Serafim, Ruth de
Souza, Marina Gonçalves, empregadas domésticas; o jovem e valoroso Claudiano
Filho; Oscar Araújo, José da Silva, Antonieta, Antonio Barbosa, Natalino
Dionísio, e tantos outros.
Teríamos que agir urgentemente em
duas frentes: promover, de um lado, a denúncia dos equívocos e da alienação dos
chamados estudos afro-brasileiros, e fazer com que o próprio negro tomasse
consciência da situação objetiva em que se achava inserido. Tarefa difícil,
quase sobre-humana, se não esquecermos a escravidão espiritual, cultural,
socioeconômica e política em que foi mantido antes e depois de 1888, quando teoricamente
se libertara da servidão.
A um só tempo o TEN alfabetizava
seus primeiros participantes, recrutados entre operários, empregados
domésticos, favelados sem profissão definida, modestos funcionários públicos –
e oferecia-lhes uma nova atitude, um critério próprio que os habilitava também
a ver, enxergar o espaço que ocupava o grupo afro-brasileiro no contexto
nacional. Inauguramos a fase prática, oposta ao sentido acadêmico e descritivo
dos referidos e equivocados estudos. Não interessava ao TEN aumentar o número
de monografias e outros escritos, nem deduzir teorias, mas a transformação
qualitativa da interação social entre brancos e negros. Verificamos que nenhuma
outra situação jamais precisara tanto quanto a nossa do distanciamento de
Bertolt Brecht. Uma teia de imposturas, sedimentada pela tradição, se impunha
entre o observador e a realidade, deformando-a. Urgia destruí-la. Do contrário,
não conseguiríamos descomprometer a abordagem da questão, livrá-la dos
despistamentos, do paternalismo, dos interesses criados, do dogmatismo, da
pieguice, da má-fé, da obtusidade, da boa-fé, dos estereótipos vários. Tocar
tudo como se fosse pela primeira vez, eis uma imposição irredutível.
Cerca de seiscentas pessoas,
entre homens e mulheres, se inscreveram no curso de alfabetização do TEN, a
cargo do escritor Ironides Rodrigues, estudante de direito dotado de um
conhecimento cultural extraordinário. Outro curso básico, de iniciação à
cultura geral, era lecionado por Aguinaldo Camargo, personalidade e intelecto
ímpar no meio cultural da comunidade negra. Enquanto as primeiras noções de
teatro e interpretação ficavam a meu cargo, o TEN abriu o debate dos temas que
interessavam ao grupo, convidando vários palestrantes, entre os quais a
professora Maria Yeda Leite, o professor Rex Crawford, adido cultural da
Embaixada dos Estados Unidos, o poeta José Francisco Coelho, o escritor
Raimundo Souza Dantas, o professor José Carlos Lisboa.
Após seis meses de debates, aulas
e exercícios práticos de atuação em cena, preparados estavam os primeiros
artistas do TEN. Estávamos em condições de apresentar publicamente o nosso
elenco. Revelou-se então a necessidade de uma peça ao nível das ambições
artísticas e sociais do movimento: em primeiro lugar, o resgate do legado
cultural e humano do africano no Brasil. O que então se valorizava e divulgava
em termos de cultura afro-brasileira, batizado de "reminiscências",
eram o mero folclore e os rituais do candomblé, servidos como alimento exótico
pela indústria turística (no mesmo sentido podemos inscrever hoje a exploração
do samba, criação afro-brasileira, pela classe dominante branca, levada nos
últimos anos ao exagero do espetáculo carnavalesco luxuoso e, pela carestia,
cada vez mais longe do alcance do povo que o criou).
O TEN não se contentaria com a
reprodução de tais lugares-comuns, pois procurava dimensionar a verdade
dramática, profunda e complexa, da vida e da personalidade do grupo
afro-brasileiro. Qual o repertório nacional existente? Escassíssimo. Uns poucos
dramas superados, onde o negro fazia o cômico, o pitoresco, ou a figuração
decorativa: O demônio familiar (1857) e Mãe (1859), ambas de José
de Alencar; Os cancros sociais (1865), de Maria Ribeiro; O escravo
fiel (1858), de Carlos Antonio Cordeiro; O escravocrata (1884) e O
dote (1907), de Artur Azevedo, a primeira com a colaboração de Urbano
Duarte; Calabar (1858), de Agrário de Menezes; as comédias de Martins
Pena (1815-1848). E nada mais. Nem ao menos um único texto que refletisse nossa
dramática situação existencial.
Sem possibilidade de opção, O
imperador Jones se impôs como solução natural. Não cumprira a obra de
O'Neill idêntico papel nos destinos do negro norte-americano? Tratava-se de uma
peça significativa: transpondo as fronteiras do real, da logicidade
racionalista da cultura branca, não condensava a tragédia daquele burlesco
imperador um alto instante da concepção mágica do mundo, da visão transcendente
e do mistério cósmico, das núpcias perenes do africano com as forças prístinas
da natureza? O comportamento mítico do Homem nela se achava presente. Ao nível
do cotidiano, porém, Jones resumia a experiência do negro no mundo branco,
onde, depois de ter sido escravizado, libertam-no e o atiram nos mais baixos
desvãos da sociedade. Transviado num mundo que não é o seu, Brutus Jones
aprende os maliciosos valores do dinheiro, deixa-se seduzir pela miragem do
poder. Além do impacto dramático, a peça trazia a oportunidade de reflexão e
debate em torno de temas fundamentais aos propósitos do TEN.
Escrevemos a Eugene O'Neill uma
carta aflita de socorro. Nenhuma resposta jamais foi tão ansiosamente esperada.
Quem já não sentiu a atmosfera de solidão e pessimismo que rodeia o gesto
inaugural, quando se tem a sustentá-lo unicamente o poder de um sonho? De seu
leito de enfermo, em São Francisco, a 6 de dezembro de 1944, O'Neill nos
respondeu:
You have my permission to produce The Emperor Jones without any
payment to me, and I want to wish you all the success you hope for with your
Teatro Experimental do Negro. I know very well the conditions you describe in
the Brazilian theatre. We had exactly the same conditions in our theatre before
The Emperor Jones was produced in New York in 1920 – parts of any
consequence were always played by blacked-up white actors. (This, of course,
did not apply to musical comedy or vaudeville, where a few negroes managed to
achieve great sucess). After The Emperor Jones, played originally by
Charles Gilpin and later by Paul Robeson, made a great success, the way was
open for the negro to play serious drama in our theatre. What hampers most now
is the lack of plays, but I think before long there will be negro dramatists of
real merit to overcome this lack.
Esta generosa adesão e lúcido
conselho tiveram importância decisiva em nosso projeto. Transformaram o total
desamparo das primeiras horas em confiança e euforia. Ajudaram a que nos
tornássemos capazes de suprir com intuição e audácia o que nos faltava em
conhecimento de técnica teatral e em recurso financeiro para enfrentar as
inevitáveis despesas com cenários, figurinos, maquinistas, eletricistas,
contra-regra. Encontramos em Aguinaldo de Oliveira Camargo a força dramática
capaz de dimensionar a complexidade psicológica de Brutus Jones. Ricardo
Werneck de Aguiar nos ofereceu uma excelente tradução. Os mais belos e menos
onerosos cenários que poderíamos pretender foram criados pelo pintor Enrico
Bianco, os quais se tornaram clássicos no teatro brasileiro. A colaboração
desses dois amigos brancos do teatro negro iniciou uma tradição que depois se
consolidaria com a ação solidária de muitos outros amigos do TEN, entre eles o
fotógrafo José Medeiros, o diretor teatral Willy Keller, o cenógrafo Santa
Rosa, o diretor Léo Jusi, assim como o ator Sady Cabral, que encarnou o
Smithers de O imperador Jones.
Sob intensa expectativa, a 8 de
maio de 1945, uma noite histórica para o teatro brasileiro, o TEN apresentou
seu espetáculo fundador. O estreante ator Aguinaldo Camargo entrou no palco do
Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde antes nunca pisara um negro como
intérprete ou como público, e, numa interpretação inesquecível, viveu o trágico
Brutus Jones, de O'Neill. Na sua unanimidade, a crítica saudou
entusiasticamente o aparecimento do Teatro Experimental do Negro e do grande
ator negro Aguinaldo Camargo, comparando-o em estrutura dramática a Paul
Robeson, que também desempenhou o mesmo personagem nos Estados Unidos. Henrique
Pongetti, cronista de O Globo, registrou: "Os negros do Brasil – e
os brancos também – possuem agora um grande astro dramático: Aguinaldo de
Oliveira Camargo. Um anti-escolar, rústico, instintivo grande ator".
Um clima de pessimismo e
descrença dos meios culturais havia cercado a estréia do TEN, expresso nessas
palavras do escritor Ascendino Leite:
Nossa surpresa foi tanto maior
quanto as dúvidas que alimentávamos relativamente à escolha do repertório que
começava, precisamente, por incluir um autor da força e da expressão de um
O'Neill. Augurávamos para o Teatro Experimental do Negro um redondo fracasso.
E, no mínimo, formulávamos censuras à audácia com que esse grupo de
intérpretes, quase todos desconhecidos, ousava enfrentar um público que já
começava a ver no teatro mais do que um divertimento, uma forma mais direta de
penetração no centro da vida e da natureza humana. Aguinaldo Camargo em O
Imperador Jones foi, no entanto, uma revelação.
R. Magalhães Júnior traduziu o
desejo dos que não assistiram:
O espetáculo de estréia do Teatro
do Negro merecia, na verdade, ser repetido, porque foi um espetáculo notável. E
notável por vários títulos. Pela direção firme e segura com que foi conduzido.
Pelos esplêndidos e artísticos cenários sintéticos de Enrico Bianco. E pela
magistral interpretação de Aguinaldo de Oliveira Camargo no papel do negro
Jones.
Infelizmente, as circunstâncias
não permitiram a repetição daquele espetáculo, pois o palco do Teatro Municipal
havia sido concedido ao TEN por uma única noite, e assim mesmo por intervenção
direta do Presidente Getúlio Vargas, num gesto no mínimo insólito para os meios
culturais da sociedade carioca.
Conquistara o TEN sua primeira
vitória. Encerrada estava a fase do negro sinônimo de palhaçada na cena
brasileira. Um ator fabuloso como Grande Otelo poderia de agora em diante
continuar extravasando sua comicidade. Mas já se sabia que outros caminhos
estavam abertos e que só a cegueira ou a má vontade dos empresários continuaria
não permitindo que as platéias conhecessem o que, muito acima da graça
repetida, seria capaz o talento de atores negros como Grande Otelo e Aguinaldo
Camargo.
Como diria mais tarde Roger Bastide,
o TEN não era a catarsis que se exprime e se realiza no riso, já que o
problema é infinitamente mais trágico: o do esmagamento da cultura negra pela
cultura dominante.
A primeira vitória abriu passagem
à responsabilidade do segundo lance: a criação de peças dramáticas brasileiras
para o artista negro, ultrapassando o primarismo repetitivo do folclore, dos
autos e folguedos remanescentes do período escravocrata. Almejávamos uma
literatura dramática focalizando as questões mais profundas da vida afro-brasileira.
Toda razão tinha o conselho de O'Neill. Uma coisa é aquilo que o branco exprime
como sentimentos e dramas do negro; outra coisa'é o seu até então oculto
coração, isto é, o negro desde dentro. A experiência de ser negro num mundo
branco'é algo intransferível.
Enquanto não dispunha dessa
literatura dramática específica, o TEN continuou trabalhando. Ao imperador
Jonesseguiram-se outros textos de O'Neill, a começar por Todos os filhos
de Deus têm asas, encenado em 1946 no Teatro Fênix, com cenários de Mário
de Murtas. Trocando de lugar comigo, Aguinaldo Camargo assumiu, desta vez, a
direção dos intérpretes Ruth de Souza, Abdias do Nascimento, Ilena Teixeira, e
José Medeiros. Cristiano Machado, do Vanguarda, comentou na sua crítica
que "Não basta apenas representar O'Neill; o autor de Todos os filhos
de Deus têm asas exige que o saibam representar. Foi o que aconteceu
no espetáculo a que assistimos no Fênix". Mais tarde, o TEN ainda
produziu, de Eugene O'Neill, O moleque sonhador e Onde está marcada a
cruz.
Formação do
Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial
No
dia 07 de julho de 1978, foi inaugurado o Movimento Negro Unificado Contra a
Discriminação Racial. Seu surgimento se deu a partir de um ato público que
reuniu milhares de pessoas nas escadarias do Teatro Municipal, quando negras e
negros de vários estados do Brasil repudiaram, denunciaram e exigiram
providências diante dos atos de racismo em que foram vítimas quatro atletas
negros do time de voleibol do Clube de Regatas Tietê e, também pela ação da
polícia que assassinou o operário negro Robson Silveira da Luz. Após esse ato,
foi realizado o 1º Congresso, em 1978, dando início a fundação do MNU.
A MARCHA QUE MUDOU O MOVIMENTO NEGRO
Amauri Mendes Pereira*
Marcha contra o racismo 1988 - Foto
Januário Garcia
Espero que vocês compreendam, o
problema não é comigo, é com os verde. (HÉLIO SABOYA, então Secretario de
Polícia Civil do Rio de Janeiro) Aludindo desta forma às pressões do Comando
Militar do leste que prometia reprimir a manifestação, Hélio Saboya, então
Secretario de Polícia Civil, em 1988, visivelmente preocupado, repetia esta
frase aos membros do comando da marcha, que foram convidados por ele para
conversar em seu gabinete horas antes do evento. O susto No dia 11 de maio de 1988,
o Centro da cidade amanhece ocupado pro forças militares. Os pedestre não
entendiam o que estava acontecendo e os boatos corriam soltos. O fato é que
tamanho aparato visava impedir que a Marcha contra a farsa da abolição,
programada para o fim de tarde. Para tal, os militares cercaram e depredaram os
palanques montados pela Riotur em frente à Central do Brasil, reprimiram e
prenderam militantes que chegavam dos subúrbios e da Baixada Fluminense nos
terminais ferroviários e destruíram faixas, cartazes etc e se posicionaram em
maior número frente à igreja da Candelária e início da Av. Presidente Vargas,
onde seria a concentração. A sua principal desculpa seria impedir para impedir
a marcha - a alegação de que pretendíamos agravar a imagem de Duque de Caxias -
caiu por terra no momento em que concordamos avançar pela pista do lado
contrário da avenida - passaríamos quase a cem metros daquela estátua - e mesmo
assim, eles permaneceram irredutíveis. O que, de fato, levara os militares a
reprimir a nossa manifestação? Uma resposta inicial era a perplexidade com o
grau de mobilização alcançado pelo Movimento Negro(eles possuíam informações).
Dificilmente poderiam controlar evento com a envergadura que advinhavam. Mas é
claro que não era apenas isso. Conversas posteriores, deixavam patente o
racismo. A maioria deles não perdoaria a " ousadia" do Movimento
Negro. Afinal, "o centenário da Abolição deveria ser festivo, comemorando
a integração racial. As reclamações desses negros não têm sentido, são
antipatrióticas... Além disso, aquela postura idelógica percbia outras
implicações. Pela primeira vez, o percurso da marcha invertera o sentido usual
das manifestações políticas - seguíramos na mesma direção do "mar de
gente" que abandona a cidade no horário do rush(da Candelária à Central),
o que potencializaria a nossa manifestação, ampliando o alcance de nossas
mensagens e o nosso êxito. Ainda mais que finalirariamos, em grande estilo, no
maior ponto de circulação de massa do Rio de Janeiro.
A construção Compreensivelmente, a
maioria dos militantes comemorou o sucesso estrondoso daquela ação, acompanhada
por máximo interesse pela mídia nacional e internacional - "todo mundo viu
o racismo no Brasil" -, vibrava a massa! Mais de 20 mil pessoas. O comando
da Marcha, no entanto, cometeu um erro fundamental: se desmobilizou no fim da
marcha ao invés de concentrar esforços para multiplicar a repercussão e
veicular a sua voz, consagrando a sua visibilidade e a conquista de espaço.
Marcha contra o racismo 1988 - Foto
Januário Garcia
As razões para a insensatez dos
dirigentes estão nas diferentes concepções que orientam a militância quanto ao
papel do M ovimento Negro na Luta Contra o Racismo e a importância dessa
transformação da sociedade brasileira. Poucos perceberam que havíamos
conseguido algo inédito e de suma importância - estava nas mãos do Comando da
marcha - se tornar o centro das atenções, no momento em que toda a sociedade
" respirava" as emoções das memórias da escravidão/abolição, sem
dúvida, a refrência histórica mais incrustada no âmago do povo brasileiro.
Marcha contra o racismo 1988 - Foto
Januário Garcia
Nunca antes havíamos construído uma
ação daquela forma- o entusiasmo da militância suoerando as desavenças e
limitações das entidades, a partir de uma forma embrionária de organização
muito mais ampla e ágil: os comitês. Foram oito meses desde os primeiros
contatos e a divulgação de uma postura estratégica crucial: não deveríamos nos
preocupar com as atividades oficiais quase sempre diversionistas e
desagregadoras em nosso meio. O mais importante era concentrar esforços na
construção de um momento nosso, do Movimento negro. As alianças e adesões de
outros setores viriam naturalmente ameida que definíssemos o nosso campo de
força. O que determinou aquela posição fi a visão de que desde o início de 88,
teríamos "os ventos a nosso favor": a) nível de sensibilidade social
em função do Centenário, o quê obrigaria a mídia em geral a tratar do tema. B.
O avanço da Consciência Negra e da Luta Contra o Racismo, capaz de respaldar um
plano objetivo de mobilização. C) a existência de entidades negras fortes e de
uma militância que se espalhava por vários setores da sociedade(foi fundamental
a participação dos religiosos do Movimento Comunitário, de sindicalistas...) e
por todo o estado do Rio de Janeiro.
Construção para quê?
Muita gente assistiu ao vídeo "A
Marcha da Abolição", da Enugabirjo( Adauto e Vick). Nele se mostra
claremnte o clima de terror impingido pelas forças policiais e militares.
Quando o Comando da Marcha chegou ao local da concentração se deparou, por um
lado, com a disposição da "massa", que não se intimidava; e por
outro, com o assédio dos oficiais militares que "tinham ordens para
impedir a Marcha e evitar o perigo da radicalização de ânimos e da degeneração
do conflito aberto". A nossa decisão de concentrar e marchar de qualquer
maneira instalou o impasse. Foi o próprio Secretario de Polícia Civil que veio
negociar com o nosso deslocamento..."até onde o racismo ia deixar".
Menos de um quilometro separaram a alegria
da vitória - Vamos caminhar, pessoal!- de uma decisão que violentou sonhos e
vontades tanto tempo represadas.
Movimento negro
realiza marcha em defesa dos quilombolas – 1995 – 300 anos da morte de Zumbi
dos Palmares
O ato público acontecerá no dia 7 de
novembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília
No dia 7 de novembro, instituído como o
Dia Nacional de Luta Pela Regularização Fundiária, será realizada a Marcha
nacional em defesa dos direitos dos quilombolas. Organizado pela
Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq), o ato público será realizado na
Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
O Movimento Nacional das Comunidades
Negras Rurais Quilombolas é hoje um dos mais ativos agentes do movimento negro
no Brasil. Unidos pela força da identidade étnica, os quilombolas construíram e
atualmente defendem um território que vive sob constante ameaça de invasão, uma
realidade que revela como o racismo age no país, impedindo que negros e negras
tenham o direito à propriedade, mesmo sendo eles os donos legítimos das terras
herdadas dos seus antepassados.
Descendentes diretos de Zumbi dos
Palmares, símbolo máximo da luta do povo negro por liberdade, os negros que
antes lutaram contra a escravidão e formaram territórios livres, hoje travam no
dia-a-dia um embate pelo direito a terra. É uma história de resistência que
garantiu a continuidade de centenas de quilombos. Sem dúvida uma sobrevivência
sofrida, mas com vitórias.
Diante da resistência tornou-se
impossível para o governo brasileiro não responder às demandas desse movimento.
Essa situação foi consolidada a partir da afirmação da ação coletiva expressa
na realização do I Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas,
em novembro de 1995.
Neste sentido as Comunidades Negras
Rurais Quilombolas alteraram a capacidade de mobilização regionalizada
exercitada nas últimas décadas colocando a problemática do negro do meio rural
como questão nacional. Como mecanismo de organização constituiu-se a Conaq.
Dessa forma a marcha quilombola vem no sentido de dar visibilidade a luta de
milhares de quilombolas espalhados pelo Brasil em busca de seus direitos
constituídos.
Zumbi mais 10 – 2005.
Um comentário:
Muito interessante. Só para ampliar a conversa, gostaria de dizer que assim que foi fundada a FNB começou a criar seus núcleos no interior de São Paulo. Exemplo disso é o núcleo de Porto Feliz (1931) e Sorocaba (1932).
Trato por cima desse assunto no meu livro "Vadios e Imorais".
Abs,
Carlos
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